sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

ALEXANDRE ROBATTO FILHO, O PIONEIRO DO CINEMA NA BAHIA

TADEU BAHIA - Autor

Quem já leu as páginas deliciosas de apimentadas do romance Dona Flor e Seus Dois Maridos, do escritor Jorge Amado, já deve ter tido a oportunidade de conhecer uma das inúmeras e infinitas facetas do Alexandre Robatto Filho.

Nascido em 04 de novembro de 1908 na Praia do Cantagalo, Freguesia dos Mares, em Salvador, estado da Bahia, era filho de Alexandre Robatto que exercia a profissão de protético na então pacata cidade de Salvador, (de descendência italiana pelo lado paterno) e da Da. Camilla Rocha Robatto que era natural de Saubara, pequena localidade praieira localizada no Recôncavo Baiano, até há pouco tempo pertencente ao município de Santo Amaro da Purificação.

A Da. Camilla Robatto era natural de Saubara, sendo uma das filhas do segundo casamento da Sra. Perpedigna Amélia da Cunha Rocha com o Prof. Ernesto Rocha. A Sra. Perpedigna Amélia da Cunha Costa - que seria a avó materna do futuro cineasta baiano Alexandre Robatto Filho – havia contraído as primeiras núpcias com o Ignácio de Jesus Costa e com este tivera quatro filhos, a saber: Alcebíades da Cunha Costa, Eud
óxia da Cunha Costa, Perpedigna da Cunha Costa e Ana da Cunha Costa (Naninha).

Todavia, o seu primeiro marido, Ignácio da Cunha Costa, teve uma morte prematura (insuficiência cardíaca) o que levou a Perpedigna Amélia da Cunha Costa a contrair suas segundas núpcias com o Prof. Ernesto Rocha, filho do Padre Camilo Rocha que era então vigário da Freguesia de Saubara.

Desse seu segundo casamento com o Prof. Ernesto Rocha, ela teve mais duas filhas: a primeira foi a Camila Robatto (note-se a “homenagem” ao avô-Padre!) que seria a mãe do futuro cineasta Alexandre Robatto Filho e da sua irmã Cibele Robatto. A segunda filha seria a Ernestina Rocha (Sinhá ou Sassá como era tratada carinhosamente nos círculos familiares) que não casou, mas no papel de tia – avó ajudou com paciência e ternura a criar mais de duas gerações.

Mas voltemos ao Alexandre Robatto Filho! Desde criança já mostrava que tinha uma inteligência rara e brilhante, formando-se ainda muito jovem em Odontologia, logo iniciando a sua profissão. Porém, ao lado da atividade de cirurgião-dentista, dedicava-se às artes de uma maneira plena e desbragada. Era um verdadeiro artista no sentido mais lato da palavra e exercia com grandiosidade e eloqüências esses atributos divinos que o Criador lhe concedeu.

Inicia as suas atividades no cinema no ano de 1938, contudo, antes dele encontraríamos ainda as figuras do Diomedes Gramacho e do José Dias da Costa que perderam para Alexandre Robatto Filho a primazia de serem os pioneiros do Cinema Baiano, porque, temendo acidentes nos seus primitivos estúdios, devido às películas daquela época ser constituídas de material altamente inflamável e que poderiam provocar incêndios de gravíssimas proporções, então esses dois senhores perderam grande quantidade de material cinematográfico. Além disso, com medo de que acontecessem tragédias maiores, eles incineraram o resto das películas que tinham em seu poder, destruindo dessa forma o já escasso material que poderia servir de base, de referências para o estudo da história do cinema na Bahia.

Dessa maneira, o pioneirismo do cinema na Bahia fica sendo patenteado exclusivamente a Alexandre Robatto Filho que iniciando naquela época, em 1938, ao longo de 25 preciosas curtas – metragens de arte, folclore, músicas e folguedos regionais, bem como documentários sobre a Bahia do seu tempo, conseguindo reunir valioso acervo constante de 22 títulos que foram contratipados e copiados pelo Departamento da Imagem e do Som da Fundação Cultural do Estado da Bahia, tendo o apoio da Embrafilme e da Cinemateca Brasileira, em São Paulo.


Alexandre Robatto Filho teve uma influência bastante acentuada pela escola dos documentaristas ingleses, onde se sobressaíram o Flaherty e o Grierson, nas décadas de 1930 e 1940. Em 1949 o Robatto Filho saiu das bitolas substandard e parte para o filme de 35 mm, quando forma uma equipe onde encontramos os nomes do Semírames Seixas, Alfredo Souto de Almeida, do maestro Paulo Jatobá, Joaquim Euclides, do Manoel Pinto Ribeiro, do arquiteto e fotógrafo Sílvio Robatto e do artista plástico e amigo Carybé.

Dentre os inúmeros títulos deixados à História do Cinema na Bahia por Alexandre Robatto Filho, poderíamos citar somente alguns deles, tais como: Vadiação, Entre o Mar e o Tendal, Quando o Chico Foi Preso, Festa do Hawaí, Invenções, Carnaval, Exposição Pecuária – 1949, Caxixi, Favelas, V Exposição de Animais, S/A Wildberger, A Marcha das Boiadas, Pecuária Baiana – 1953, Igreja, Desfile dos Quatro Séculos, Xaréu, Ginkana em Salvador, Regresso de Marta Rocha, Águas da Bahia, Organizações Suerdieck, Um Milhão de KWA etc.

Considerado “um homem de sete instrumentos” pelo próprio escritor e amigo Jorge Amado, vamos encontrar o Alexandre Robatto Filho poeta ao lado dos iniciantes daquela ocasião, tais como: Sosígenes Costa, Carvalho Filho, do inesquecível e querido amigo Hélio Simões, Enrico Alves, Jair Gramacho, do meu mestre Carlos Eduardo da Rocha, do saudoso e sempre alegre Clóvis Amorim, do Alves Ribeiro e muitos outros como ainda os artistas plásticos Carlinhos Bastos, Mário Cravo e o próprio Carybé.

Conta-se que na época do falecimento do Vadinho, em pleno domingo de carnaval na Bahia (vide Dona Flor e seus Dois Maridos) o Alexandre Robatto Filho declamou no exato momento em que o caixão do Vadinho baixava à sepultura, aqueles conhecidos e decantados versos viperinos, os quais, a exemplo dos poemas de escárnio e mal – dizer do poeta seiscentista Gregório de Matos e Guerra ou ainda dos versos maravilhosos e também ainda incompreendidos do meu amigo e poeta Antônio Short, correram como um rastilho pelas ladeiras, becos, ruelas e ruas apertadas e acanhadas da Bahia e tinham como título solene, pomposo e antes de tudo barroco: “ELEGIA À DEFINITIVA MORTE DE WALDOMIRO DOS SANTOS GUIMARÃES, VADINHO, PARA AS PUTAS E OS AMIGOS”.

Naquele época, os versos que brotaram sonoros e barrocos dos lábios profanos e gloriosos do Alexandre Robatto Filho, nos primeiros momentos foram atribuídos, quanto à sua verdadeira autoria, a inúmeros poetas da cidade, contemporâneos do inominável Robatto Filho. Mas todos chegaram uníssonos à conclusão de que com o estro, a perfeição, a galhardia, a harmonia lírica e sensual, junto com a magia e aquele jeito jocoso e sacana com que foram artisticamente escritos, só poderiam será obra de um Artista – Mais – Que – Perfeito e este era, sem sombras de quaisquer dúvidas, o próprio Alexandre Robatto Filho!

Acrescente-se que o Alexandre Robatto Filho já era bastante conhecido das noites baianas, dos saraus, encontros e tertúlias artístico – literárias como o Rei Mundial do Soneto, pois tinha escrito até aquela ocasião cerca de “20.865 entre decassílabos e alexandrinos de arte – menor e de arte maior e anacíclicos” (vide Dona Flor e Seus Dois Maridos).

Na área da literatura romanesca, nos deixou dois livros, um publicado e outro ainda inédito. O que foi publicado chama-se Raimunda Que Foi – Uma Estória da Bahia, editado em 1976 pela Editora José Olympio e que tem como pano de fundo a zona do Recôncavo Baiano, onde a estória se passa na cidade fictícia de São Bartolomeu do Recôncavo, tendo como figura central a jovem Raimunda, uma guapa e gostosa mocinha de apenas vinte anos de idade, cabelos escorridos, morena e de coxas roliças e grossas, exemplo típico das mocinhas criadas em cidades atrasadas de interior que quando perdem o cabaço, saem como que fugidas, às escondidas, dos lugarejos onde foram criadas e buscam o anonimato nos grandes centros urbanos, a fim de engrossar ainda mais esse filão interminável de mulheres que irmanadas sob o mesmo véu de infortúnio e pecados, proliferam unidas na sua única desgraça: a perda do indefectível cabaço!
Exemplar da 1ª. Edição do romance “RAIMUNDA QUE FOI – Uma Estória da Bahia” da autoria
do ALEXANDRE ROBATTO FILHO em 1976 – Capa do amigo CARYBÉ

Além da Raimunda, encontramos nesse livro a figura andrógena do Bernardino, bichona louca convicta e atuante que tenta retornar ao mundo dos machões, através dos encantos da ardente e sedutora Raimunda. O romance se desenrola envolvendo personagens reais e imaginárias, vivendo situações cômicas, engraçadas e picarescas. O universo mágico da literatura de Alexandre Robatto Filho nos dá um autêntico retrato do Recôncavo Baiano durante a sua fase áurea de industrialização e fúlgido progresso, num período em que o próprio Robatto Filho disse “não haver data”, mas que podemos situá-lo entre as décadas de 1940 e 1950.

Como dissemos acima, a estória da Raimunda traz à baila figuras reais que também participaram da trama, como exemplo o meu avo materno Dr. Manoel Francisco de Oliveira Bahia, o célebre Dr. Bahia, engenheiro santamarense que tinha se formado em engenheiro agrônomo, mas havia deixado as suas reais atribuições para se dedicar ás atribulações forenses. Exercia as funções de rábula, atividade que o torna afamado e conhecido em toda a região. O Dr. Bahia era casado com a jovem professora Perpedígna da Cunha Costa, filha do primeiro casamento da também professora Perpedígna Amélia da Cunha Costa com o seu primeiro marido, Ignácio da Cunha Costa. Logo, a esposa do Dr. Bahia seria também tia do Alexandre Robatto Filho, isto porque, quando a Perpedígna Amélia da Cunha Costa casou-se pela segunda vez com o Prof. Ernesto Rocha, teve como filha a Camila Rocha, que futuramente seria a mãe do nosso cineasta baiano.

Numa das passagens do romance ora em comento, o Robatto Filho narra que o meu avô, o Dr. Manoel Bahia, estava a necessitar de uma montaria para visitar o senhor Dílson, numa fazenda próxima ao município de Santo Amaro da Purificação, denominada São José dos Caboclos; então o Dr. Bahia solicita do seu amigo, o Coronel Possidônio, uma mula emprestada. O animal prontamente lhe é entregue. Todavia, o Dr. Bahia nesse ínterim fica impossibilitado de realizar essa visita ao senhor Dílson e devolve a mula ao Coronel Possidônio com um bilhete escrito no inconfundível estilo, cujo teor verídico é exatamente o que se segue:

Meu Eminente Amigo,
Efusivos saudares!


Devolvo a sua nobre mula, pura e virgem como me mandou, por não ter sido
preciso servir-me dela.


Com os sinceros agradecimentos do cativo,
Dr. BAHIA”

O segundo trabalho literário do Alexandre Robatto Filho se intitula: “O.D.A. – Organização Demo-Angelical” e foi escrito no Natal de 1977, após o Robatto Filho ter se recuperado de um acidente circulatório que quase antecipa a sua ida ao Céu. A história é contada com o gosto e tempero baianos que tão bem caracterizam o seu estilo jocoso inconfundível. Encontramos nas suas páginas o retrato autêntico da saudosa cidade do Salvador boêmia, dos idos da década de 1920/30, com as suas roletas, bacarás, cassinos e demais casas de jogo funcionando regularmente. Era a época do Cassino Baiano que se localizava na Rua de Baixo (atual Rua Carlos Gomes), onde havia funcionado o ex-Diário de Notícias. Naquela época em Salvador aconteceu o histórico episódio “quebra-bondes” citado pelo Robatto Filho de maneira fugaz e que o escritor Jorge Amado registra com amplitude no seu livro “Tenda dos Milagres”, através do herói e bedel Pedro Arcanjo.

O terceiro livro do Alexandre Robatto Filho é um trabalho de “Memórias” que não foi editado em razão da sua morte, ocorrida em novembro de 1981, aos 73 anos de idade. Tive a oportunidade e exclusividade de ter em mãos os originais desse trabalho, quando a pedido do meu tio Robatto tive o prazer de ler e reler todo o seu conteúdo e revisá-lo, devolvendo-o posteriormente. O mencionado livro é repleto de ilustrações e desenhos que o próprio Robatto Filho executava com zelo e carinho a fim de ilustrar a presente obra. Trata-se da história da Família Robatto, a sua vinda para o Brasil, a sua chegada na Bahia, a ida para a cidade próxima de Alagoinhas, a fazenda, a roda d’água, a construção da estrada de ferro daquela cidade onde trabalharam os seus ancestrais etc.

Esperamos que algum dia a Fundação Cultural da Bahia, a Academia de Letras da Bahia através dos seus ilustres e iluminados pares, ou mesmo historiadores e pesquisadores culturais do nosso estado, tais como a querida mestra Consuelo Pondé de Sena, o poeta, historiador e memorialista baiano Gilfrancisco, o competente biógrafo João Carlos Teixeira Gomes ou mesmo a Myrian Fraga reconheçam no futuro o labor literário do Alexandre Robatto Filho e também o coloquem à altura do Alexandre Robatto Filho cineasta, como há anos atrás procedeu acertadamente a Fundação Cultural do Estado, quando deu o seu nome à Sala de Cinema que ocupa hoje lugar de destaque nas suas dependências.

Esperamos que os órgãos culturais do nosso estado, ligados não só à História do Cinema na Bahia mas também à divulgação da sua História Literária, Artística e Folclórica, consigam trazer ao conhecimento dos mais jovens esse maravilhoso legado executado pelo Alexandre Robatto Filho, que nos deixou um patrimônio imenso não somente na área cinematográfica, mas sobretudo na área de pesquisa e divulgação do nosso folclore, da nossa literatura, dos nossos costumes e tradições que devem ser continuamente preservadas, a fim de que estoriadores e jornalistas menores e mal informados não continuem a ventilar de maneira displicente, irresponsável e imoral a HERESIA sem sentido de que o pioneiro do Cinema na Bahia teria sido o Glauber Rocha! O Alexandre Robatto Filho sim, esse foi o verdadeiro PIONEIRO DO CINEMA NA BAHIA, enquanto o cineasta Glauber Rocha foi apenas o CRIADOR DO “CINEMA NOVO”!

Poderíamos falar também do Alexandre Robatto Filho pintor, desenhista, artista plástico e ilustrador. No seu apartamento situado no elegante bairro do Campo Grande, nesta Capital, hoje conservado pela prima Yeda Stazy, se encontram retratos da Família Robatto pintados pelas mãos hábeis e destras do Robatto Filho. Ao lado das suas pinturas encontramos as fotografias que o mesmo realizava e um sem número de fotos-artísticas e documentais que hoje se constituem num valioso acervo pelo alto valor e significado artístico que representam. Como podemos verificar, além de Cirurgião Dentista, foi ainda cineasta, artista plástico, escritor, poeta etc. além de ser ainda um dos pioneiros do Rádio Amadorismo na Bahia. Foi Professor Catedrático da cadeira de Radiologia da Universidade Federal da Bahia – UFBA onde exerceu com garbo e nobreza as suas funções.

Trabalhou ainda no Departamento de Educação Superior e de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia, em diversos cargos de assessoria e escreveu também inúmeras obras de caráter científico e pedagógico, as quais deveriam ser resgatadas e atualizadas, a fim de integrarem o nosso patrimônio cultural. Finalizando, o Alexandre Robatto Filho foi um homem completo em todos os sentidos e cito apenas uma definição de uma criança de apenas quatro anos de idade, o seu neto Lucas Robatto, ao defini-lo para as pessoas da família: “VOVÔ ROBATTO SABE TUDO... VOVÔ ROBATTO SABE MAIS DO QUE DEUS!”

Quem sabe se o pequenino Lucas não tinha razão?

TADEU BAHIA – Autor

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terça-feira, 8 de julho de 2008

A SINTOMALOGIA ESQUIZÓIDE NA MULTIPLICIDADE PSÍQUICA DO FERNANDO PESSOA

TADEU BAHIA - Autor

Se existe uma tarefa complexa, está é, sem sombra de dúvidas, a análise literária. A complexidade não reside, porém, na interpretação coerente e exata da obra em si, mas ante a tudo, é preciso que exista – via de regra – uma harmonia, uma comunhão espiritual profunda, diria mesmo dialética, por parte da alma do analista, ou crítico literário, para com a alma do autor da obra.
É necessário que aconteça um equilíbrio e harmonia transcendentes, uma conjugação perene do Ser que não possa ser explicada nem pelos estudos da Lógica, ou da Filosofia, tampouco pela Ética; é preciso que as almas entrem numa fusão absoluta e completa a fim de que possamos encontrar aquela palavra que os crentes de todas as religiões há séculos perseguem e que se denomina: PERFEIÇÃO!
Partindo desta premissa, explicitamos que é humanamente impossível tecer comentários sobre a Obra Poética - Literária do monumental escritor e poeta português, Fernando Antônio de Nogueira Pessoa, devido justamente à universalidade e à magnificência de todo o seu conjunto, que se abre aos nossos olhos latino americanos com todo seu turbilhão violento, convulso, indomável e maravilhoso aonde não o poderão conter nem os próprios rochedos dos mares infinitos da Eternidade...
Ser o Fernando Pessoa é uma questão óbvia de espírito, e, compreender o âmago do Ser do Fernando Pessoa, esta é, também, uma questão óbvia de espírito, pois não existe um equilíbrio perfeito, harmônico e UNO na visão espiritualista e, portanto cosmológica do próprio SER do Fernando Pessoa. O Fernando Pessoa não se define: ELE É! Portanto, o que se É não pode entrar em julgamento porque explicita e implicitamente existe.
Daí a existência do fenômeno português Fernando Pessoa ser um fato indiscutível e consumado não só na Literatura Lusitana, mas também na própria Literatura Universal, por que antes de haver sido o Fernando Pessoa, ele próprio já pré – concebia a existência material e concreta daquele que viria a ser o Fernando Pessoa.
O Fernando Pessoa antes de nascer, já havia tido a visão interior - premonitiva, a consciência profética de todos os grandes predestinados... o ventre universal e antológico do qual foi gerado é o mesmo que foi banhado por aquele esperma ardente e caudaloso que também fez gerar o sol, a lua, as estrelas, os profetas,... e os poetas!
O Fernando Pessoa é uma significação que se move.
E o significado existe. Portanto É!
Nascido em Portugal no dia 13 de junho de 1888, na noite ruidosa, alegre e festiva de Santo Antônio, o Fernando Pessoa ao sair do útero materno já moldava oniricamente no seu EU a figura sombria, arredia e errante que caracterizou para sempre a sua alma.
Com o espírito marcado por uma apatia profunda e generalizada, oriunda dos traumas afetivos e recalques espirituais marcantes passados na fase da primeira infância, principalmente quando perde o seu pai aos seis anos de idade, acontecimento que choca o pequenino Fernando porque parece que seu pai lhe tinha um afeto imenso, um amor desbragado e incomensurável, e a criança, que até aquela época gozava de uma liberdade espiritual sadia sob todos os aspectos, se recolhe a si mesmo.
Interioriza-se. Fecha-se em seu “casulo”.
O Fernando Pessoa tranca-se na sua pequenina “crisálida”. O mundo de agora em diante será ele mesmo, dentro de si, com as suas circunstâncias e perplexidades, refletindo-se diante do seu próprio e inexorável espelho.
Fernando Pessoa e o Narciso... ou o Narciso deitado no divã do analista Fernando Pessoa, buscando a imagem perdida dentro do seu próprio Ser.
O mundo de agora em diante será o próprio Fernando Pessoa, imerso dentro de si com toda a sua intensidade e insanidade oníricas.
A vida fácil e tranqüila acaba com a morte do pai, que deixa viúva a sua mãe e órfãos, o pequenino Fernando e mais um irmãozinho que logo em seguida morre. Sua mãe começa a sofrer os primeiros apertos financeiros e desfaz-se da rica mobília da casa, os seus espelhos, jóias familiares e é obrigada, com o garoto Fernando, a mudar de residência, agora moram numa casa acanhada, modesta e simples.
Passados alguns meses a mãe do Fernando Pessoa casa-se em segundas núpcias, por procuração, com um oficial – menor que servia até então na África do Sul e logo depois se muda para esta nova localidade com o novo marido, contando o Fernando Pessoa apenas sete anos de idade. Esta mudança súbita de lar, de categoria social superior para inferior em tão pouco tempo, a degradação social que passa a mãe, a perda da pátria – mater, Lisboa, com todas as suas tradições seculares, magias e encantamentos etc. marcam profundamente a alma sensível do Fernando Pessoa.
Ao chegar à África do Sul a mãe o isola num Internato...
Na solidão daquela casa de meninos abandonados, rejeitados pelos seus pais e pela própria vida, o pequenino Fernando procura a companhia dos livros e através de estudos e leituras procura um lenitivo que coloque um fim na sua dor, a sua infinita e eterna melancolia...
A sua mãe se enche de novos filhos, o Fernando Pessoa assiste a tudo passivo, à distância. Há um “Édipo” recolhido dentro do seu ser. A lembrança saudosa do irmãozinho morto lhe vem às lembranças através recordações dolorosas de nítidos pesadelos, no calor febril das suas madrugadas insones e desesperadas.
A chegada de novos irmãozinhos, um atrás do outro, a repulsa do sangue do Fernando Pessoa aos seus pequeninos irmãos, a revolta infantil profunda que se enraíza no seu espírito, tão novo, mas tão profundamente marcado pelo sofrimento da ausência do amor familiar... o seu autismo, a sua indiferença, as suas primeiras indagações espirituais ainda numa idade precoce, a falta de amor, a carência afetiva significada na ausência do amor materno, o amor primordial e único que de agora em diante será carinho e proteção para com as novas crianças da família recém criada.
O abandono material e espiritual precoces fez do Fernando Pessoa uma criança triste, sorumbática e silenciosa, retraída do mundo exterior e voltada exclusivamente para dentro de si mesmo. Do lado de fora ele era UM... do lado de dentro ele era VÁRIOS! O Fernando Pessoa consegue superar, patologicamente, no repúdio, na rejeição doentia, os nascimentos dos seu novos irmãos, os quais, ao virem para este mundo, roubaram-lhe o lugar de filho amado e querido.
A sua adolescência viria a ser marcada pelo seu caráter estritamente esquizóide, oriundo de uma ambivalência espiritual que já o dominava desde a fase da sua primeira infância. O Fernando Pessoa trouxera consigo todas as suas mazelas, tristezas, melancolias e desenganos que brotavam dentro d’alma em raízes ácidas, profundas e verdadeiras e que irá acompanhá-lo até a sua morte. Aos dezessete anos muda-se para da África do Sul, aonde deixa a mãe, o padrasto e os novos irmãos a fim de estudar em Lisboa, porém, devido ao seu temperamento esquizotímico e irrequieto, a sua passagem na universidade é efêmera, não estudando nem um ano completo.
O “autismo” é uma característica comum a todas as formas conhecidas de esquizofrenia, (são conhecidos quatro tipos clássicos: 1 – Esquizofrenia Simples; 2 – Esquizofrenia Hebefrênica; 3 – Esquizofrenia Catatônica e 4 – Esquizofrenia Paranóide), apresenta-se no caso do Fernando Pessoa na incapacidade do paciente estabelecer relações normais com o ambiente. Segundo Bleuler, o enfermo compreende a interpreta o mundo no sentido dos “seus desejos e fantasias”, e, desta maneira, não tem condições de adaptar-se às exigências da realidade.
Segundo as opiniões de outro estudioso da área, o Dr. Minkowshi, o “autismo” seria a perda do contato vital com a realidade, “... ultrapassando as funções isoladas, se encontra em todas as manifestações da pessoa alterada, isto é, tanto em sua ideação, quanto as suas reações afetiva, em sua volição e em seu comportamento.”
Ora! Encontramos todos estes sintomas no Fernando Pessoa, objeto desta análise, na sua angústia profunda e verdadeira, mesclada a uma solidão sem limites que lhe foi outorgada pela sua mãe, a figura que ele mais amava, transtornando desse modo toda a “estrutura do Ser” do Fernando Pessoa. Associada à angústia surge de imediato à síndrome depressiva aliada à irritabilidade, a qual se une à melancolia... Dois estados de espírito numa só pessoa! Dicotomia do EU!
Uma indiferença marcante do EU, o caos absoluto, as divagações absurdas e magistrais do Espírito e o silêncio abissal nos lábios trêmulos e finos... crises constantes de ansiedade, o pranto convulso, desesperado e só, um mal estar intenso, inexplicável, uma depressão sem fim...
A FUGA!
A fuga de si mesmo através a dispersão espiritual, através do álcool, através dos versos! A ambivalência aguda é outro traço característico do seu espírito doentio o qual não é contraditório porque não discute consigo; ele discute com ELES...
ELES são os OUTROS! Os heterônimos conhecidos do Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caieiro que co - habitam iluminados no interior do espírito enfermo do Fernando Pessoa. Um homem de alma solitária e incompreendido pelos homens, mas, compreensível a si próprio! Um homem só e incapaz de adaptar-se ao mundo exterior. O seu comportamento é estranho e os seus atos, sob a lógica racionalista da razão humana, são destituídos de quaisquer espécies de sentidos.

“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente!”

Característica primordial no comportamento esquizóide do Fernando Pessoa é o seu afastamento da realidade, também das outras pessoas. Existe uma relação superficial, diríamos aparente. Raros são os amigos... não tem mulheres, e, em casos de supostos amores só conhecemos o da Ofélia Queiroz que é um fato merecedor de análises e estudos. Uma vida exterior passiva, inexistente, todavia, uma vida interior que explode, vibra e sublima-se em criações poéticas magistrais que mais se assemelham aos rastros dos cometas nas profundezas azuis e poéticas do firmamento.
O Fernando Pessoa isola-se dentro de si próprio... e VIVE!
O mundo verdadeiro que existe e pulsa dentro dele, dentro do seu EU, biparte-se em vários fragmentos de diamantes coloridos e brilhantes. Cada fragmento de diamante é um ente assexuado e lindo, diferente e universal, com sua personalidade e pensamentos próprios, que nada tem a ver com a Unidade Cósmica.
A UNIDADE CÓSMICA NÃO EXISTE!
O que realmente existe solto no espaço são fragmentos de diamantes d’Alma que possuem vida própria, atitudes e vontades próprias e que dentro do espírito do Fernando Pessoa constroem o seu exclusivo e inexorável Universo. O seu próprio e impenetrável casulo...
O Fernando Pessoa não é um... e múltiplo! E é justamente esta multiplicidade que o faz sob reviver.
Citamos o Fernando Pessoa quando ele diz: “A origem mental dos meus heterônimos está na minha tendência orgânica para a despersonalização e para a mistificação.” A partir desta citação pessoana vislumbramos a fuga do poeta frente ao seu próprio mundo, à sua inexorável irrealidade e constatamos a busca de si próprio através da ambivalência dispersa e doentia, a qual, por ser complexa aos demais mortais, foi suficiente para moldar o irreal imaginário tanto no consciente, como no inconsciente do poeta.
Encontramos o poeta imerso no seu universo singular, na busca constante da sua despersonalização buscando unicamente a unicidade da sua poesia. Ao despersonalizar-se, ele transforma-se no criador... no pretenso deus de si mesmo, e diante desta surreal gênese poética o Fernando Pessoa consegue multiplicar os seus EUS, fazendo gerar no âmago d’Alma figuras bizarras e incandescentes de MAGO, BRUXO e travestido de DEUS ele dá o sopro da vida ao Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Alberto Caieiro, Bernardo Soares e outros dignos e ilustres heterônimos que fazem parte do seu consciente e subconsciente esquizóides.
Ao despersonalizar-se, ELE EXISTE...
E ao existir... ELE É!
Eis o grande mistério do poeta Fernando Pessoa.
O paciente esquizóide possui um caráter predominantemente místico, porém múltiplo no seu universo mágico interior. Lúcido em consciência, todavia aparentando às demais pessoas um estado de ânimo apático, passivo, indiferente. Indiferença esta que é profundamente aguda no campo afetivo. O Fernando Pessoa é um homem só, carente de afetos e ausente de iniciativas exteriores.
Uma catatonia periódica invade-lhe o espírito e o Fernando Pessoa deprime-se, tornando-se débil e presa fácil da ansiedade. A sua personalidade biparte-se, fragmenta-se... e nas suas cálidas e oníricas alucinações ele escreve cartas a si mesmo, mantendo uma correspondência ativa e constante com os seus EUS, pois, como ele mesmo narra numa das suas cartas íntimas, que quando sentia abandonado e sozinho: “... distraia-se escrevendo cartas para si mesmo!”
A esquizofrenia andejava pelas alamedas e corredores da sua alma. Visita então o Álvaro de Campos, o Poeta da Água e lê com o mesmo as suas maravilhosas Odes Marítimas. Depois o Fernando Pessoa vai passar à tarde com o inominável Alberto Caieiro, o Poeta da Terra, com os pés firmes e plantados na terra, com todo o seu enraizamento no REAL, no chão onde pisa, na razão material das coisas, de todas as coisas!
Quando o crepúsculo desce por trás dos montes e telhados azuis românticos de Lisboa, o Fernando Pessoa despede-se do Alberto Caieiro e vai passar a noite com o Ricardo Reis, o Poeta do Ar, o poeta garceziano das alucinações metafísicas e delírios os mais fascinantes, aquele poeta habitante do onírico e que sonha de uma maneira mais leve, absolutamente solta da realidade, conseguindo planar tranqüilo, misterioso e surreal no silêncio dos seus passos noturnos.
A ÁGUA, A TERRA e O AR... três elementos constituintes do Universo Cósmico do Fernando Pessoa que individualmente não se mistura a eles. Cada qual com a sua substância, a sua essência e a sua identidade poética. Cada um com o seu cósmico e inexorável elemento criador, no seu individualismo concreto, frente à multiplicidade esquizóide criativa do Fernando Pessoa que se transforma no quarto elemento, O FOGO, e parodiando a estória da FÊNIX, o poeta lusitano renasce de si mesmo, das suas próprias cinzas criadoras, gerando-se do seu próprio pó!
Este é o quarto elemento, senhores, o próprio Fernando Pessoa que surge num ímpeto insano e ardente derrubando e queimando as barreiras do tempo e do espaço, estourando as represas do EU, fazendo rolar em grossas e maravilhosas torrentes ensurdecedoras os versos cristalinos, alcoólicos e alquímicos da sua poesia!
A poesia do Fernando Pessoa é muito mais que infinita porque ele consegue transcender e romper os limites do próprio universo e desta maneira, tornar-se mais conhecida do que as propagandas da Coca-Cola e os casos de pedofilia na Igreja Católica, que vergonhosamente dominam os noticiários internacionais e as redes da internet pelo mundo inteiro.
A Poesia Pessoana engloba a COSMOLOGIA POÉTICA TOTAL, como no final da década de sessenta já havia profetizado o poeta e arqueólogo baiano Ivan Dórea Soares num dos seus ensaios poéticos para o extinto Jornal da Bahia, antigo baluarte cultural contra a Ditadura em terras baianas que ainda sob ameaças de prisões e torturas, tive a elevada honra de participar.
Desconhecendo as ameaças simplórias e poéticas da Ditadura em tempos idos, continuei a ler e a vivenciar no meu espírito rebelde a poesia romântica e esquizóide do Fernando Pessoa, rompendo com os cânones ortodoxos e conceitos abstratos do fazer poético, alicerçando dentro de mim as bases da minha própria eternidade onírica, sob a sombra azul, translúcida, absoltamente livre e infinita daquele Deus Histórico da poesia lusitana.
...há um transbordamento surdo, um ruído que abala os alicerces do próprio Ser e parodiando o Deus – Cristão, o Fernando Pessoa cria os céus e a terra...

“a terra, porém, era sem forma e vazia;
havia trevas sobre a face do abismo”
(Vers. 2, Cap. 1 – GÊNESIS)

...e o Fernando Pessoa no sétimo dia da sua criação, resolve criar somente o HOMEM, à sua própria imagem e semelhança, quando surgem então os heterônimos oriundos daquela...

“neblina que subia da terra
e regava toda a superfície do solo”
(Vers. 6, Cap. 2 – GÊNESIS)

...o Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o Alberto Caieiro surgem nos Jardins do Éden do Fernando Pessoa, bipartindo-se, fragmentando-se e povoando a Terra...
...até a consumação dos Séculos, de todos os Séculos... até o desenlace fatal dos tempos!

Falece o Fernando Pessoa no dia 30 de novembro de 1935, em Lisboa, com a idade de 47 anos, vítima de cirrose hepática, devido ao uso e o abuso do álcool que lhe foi companhia fiel e constante nos últimos dias de solidão neste mundo.
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BIBIOGRAFIA DO AUTOR:

TADEU BAHIA – 1951 - Poeta, com livros publicados no gênero de poesia, o primeiro OS JOVENS PEDEM PASSAGEM, lançado em 1974, com prefácio do escritor baiano e amigo JORGE AMADO; colaborador assíduo de páginas literárias dos jornais A TARDE, TRIBUNA DA BAHIA, O POVO (Ceará), O SACO (Ceará), Jornal JUCAR (Juventude Católica de Amélia Rodrigues), O TRARIPE e O XODÓ (Amélia Rodrigues/BA) e do ex-JORNAL DA BAHIA onde se firmou desde o final da década de 1960, em plena época da Ditadura, com manifestações aguerridas contra o regime, quer sejam em prosa ou poesia, no auge das perseguições políticas contra este jornal feitas pelo ilustre e saudoso Dr. Antônio Carlos Magalhães. Foi apresentador de diversos livros de poesias de autores baianos contemporâneos, fez prefácios e comentários de livros de Filosofia e História, também realizou trabalhos na área da Arqueologia sob a supervisão e companhia constante do eminente Professor e Arqueólogo baiano IVAN DÓREA SOARES, oportunidade em que foi Consultor de História do “CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS DA HISTÓRIA”, logo depois, Consultor de Filosofia do CENTRO DE ESTUDOS E CIÊNCIAS HUMANAS, com trabalhos publicados naquela área.
Historiador e memorialista escreveu diversos trabalhos na área de História, Filosofia e Ensaios Biográficos de autores baianos, como por exemplo: escritora e poetisa MABEL VELLOSO; o romancista, cineasta e pioneiro do Cinema na Bahia ALEXANDRE ROBATTO FILHO; o poeta e pensador JAIR GRAMACHO; o poeta GREGÓRIO DE MATOS; o poeta e memorialista GILGRANCISCO DOS SANTOS; o poeta e filósofo PAULO GARCEZ DE SENA, com incursões sobre o EUCLIDES DA CUNHA, de quem é um dos descendentes pelo lado materno, apesar do mesmo ser carioca, sempre vinha passar as férias escolares com os parentes no interior da Bahia, na cidade de Santo Amaro da Purificação, cujas tias do então menino Euclides da Cunha eram bisavós do Tadeu Bahia. Sem contar os estudos filosóficos sobre o VOLTAIRE, publicados com distinção através da imprensa, entre outros.
Tem dois livros de MEMÓRIAS inéditos, o primeiro escrito no final da década de 1960 até meados de 1974, que abrange o final da sua adolescência e o início da juventude, com a mente banhada pelos vapores coloridos do Tropicalismo, embeveceu-se com os Beatles e Rolling Stones, a música de Vanguarda, os Festivais da MPB com Chico Buarque, Edu Lobo, Tonzé, o Caetano desbroibindo o proibido e o Gilberto Gil com a sua geléia geral etc. Acompanhou o início das preleções socialistas do Padre Leonardo Boff e naquela idade, já fazia reflexões sobre a recém-implantada Ditadura de 1964 e sobre o amor, descoberto na cidade baiana de Amélia Rodrigues/BA e nas leituras dos versos de VINÍCIUS DE MORAES, PABLO NERUDA e do FERNANDO PESSOA. O segundo livro de MEMÓRIAS abrange o período de 1994 até entremeios de 1995, com o poeta mais reflexivo, maduro e sobre tudo mais consciente dos seus problemas existenciais.
Atualmente, TADEU BAHIA é pequeno empresário rural no sul da Bahia, onde cultiva cacau e outras lavouras de subsistência, retornando à lide literária através da amizade sincera do escritor e poeta GILFRANCISCO que atualmente empreende estudos biográficos sobre a obra poética e memorialística do citado autor baiano.

tadeu.bahia@hotmail.com

segunda-feira, 16 de junho de 2008

LITERATURA LATINA - HORÁCIO: ENSAIO INCOMPLETO

Impossível tecer comentários sobre a literatura latina sem antes lembrar-mo-nos de citar e glorificar um dos seus maiores e dignos expoentes que foi o Horácio.
Como sabemos, a literatura latina é apenas um ramo da literatura grega, aparecendo muito tempo depois do surgimento da helênica, e, extraindo desta última a parte mais importante das suas forças vivas a fim de criar elementos, formas e caracteres que até então não existiam na sua formação linguística. A literatura latina começa realmente no Século III, antes de Cristo, no momento em que os romanos após relacionarem-se com os gregos, conhecem as suas obras literárias e a partir dai começam a imitá-los, sendo que a primeira manifestação da literatura latina foi a poesia épica.
Todavia, vale ressaltar que naquela ocasião já existiam a comédia e a tragédia, mas, cumpre notar que muito paradoxalmente mais tarde, na Idade de Ouro da Literatura latina, as mesmas já não existiam. No campo da comédia citamos o Plauto que trouxe para Roma vários comediantes gregos, do tempo da Comédia Nova, a fim de não só conhecê-los mas de "apropiar-se" dos seus trabalhos, integrando-os à literatura latina. Tivemos ainda o Terêncio (amigo do Sipião, o Segundo Africano), o Públio Syro, o Laberio (nos tempos do César) e muitos outros. Na tragédia, os maiores do seu tempo foram: o Ennio, que imitava Erípedes; o Pacuvio, que imitava Sophocles e o Acio que imitava o Eschylo.
Daquele período podemos mencionar como representantes máximos da literatura latina, o Ennio - que compunha poemas épicos - mas que também escrevia poesias didáticas e satíricas. Tivemos ainda o Lucílio que era um satírico exemplar, principalmente um satírico político - assim como em Salvador, na Bahia, nas terras do Brasil, tínhamos o poeta e amigo Antônio Short. como já tivemos há tempos atrás o poeta Gregório de Matos e Guerra e ainda o Cuíca de Santo Amaro, vate preferido do meu pai, Joaquim Cunha Menezes, nas ruas descalsas e bucólicas de Santo Amaro da Purificação. No campo do lirismo tivemos a figura conhecida do poeta Horácio, o qual pertenceu ao "Século do Augusto" e que será doravante objeto de estudo do presente ensaio.
Para falarmos do Horácio, teremos que discorrer ligeiramente sobre as origens da sátira na literatura latina. A sátira não foi não foi, certamente, uma criação do engenho romano, as suas origens perdem-se nas noites dos tempos em que a poesia era utilizada para lançar o "ridículo" sobre as pessoas, as épocas e os costumes da época. Alguns estudiosos afirmam que tal prática se iniciou no Século IV, antes de Cristo, ocasião em que os jovens romanos utilizavam-se de diálogos em verso, de construção jocosa, com aspecto e linguajar de matutos e assim pilheriavam com as pessoas e as autoridades de então.
Como citamos acima, o Ênnio e o Pacúvio foram os mestres na arte da sátira, mas somente a partir do Século II, A.C., através do poeta Lucílio, é que sátira se fixou de maneira definitiva como gênero literário, perdendo a partir deste período as suas características de dramaticidade e teatralidade. Infelizmente, porém, se perdeu grande parte da obra poética do Lucílio, atualmente só encontramos os fragmentos da mesma que dão um total de mil e duzentos versos, todavia, a partir deste escasso material dá para sentirmos o vigor, a força felina com que o poeta esbravejava e escandia com os seus versos, dirigindo-os de maneira certeira contra as pessoas e os vícios da sua época, lastimando a decadência das antigas virtudes romanas, os seus feitos heróicos etc. que foram substituídos pela frivolidade, pelo lugar comum, pela cobiça desenfreada, pelo cinismo e a falta de vergonha, pela libertinagem e licenciosidade, enfim, pelo que já estamos acostumados a assistir diariamente pelos canais de televisão, internet e na leitura diária dos jornais da cidade.

1969 - POEMA DE TODA A SAUDADE!

O mesmo vento frio
na praça soprando,
a mesma janela
iluminada
com a luz bassa
de uma lâmpada fraca
lá na praça...
no quarto
um cheiro de virgens
e perfumes
e sombras de seios
erguendo-se... rijos
com os movimentos
dos braços... lentos
vestindo
uma camisola de dormir.
as horas? (as mesmas!)
sete horas da noite
que me flagram sentado
num banco em frente à Igreja
olhando - sonhando
aquela janela... aquele quarto;
cá fora:
as mesmas flores nas janelas
os mesmos jardins, cheios de rosas,
tal as faces delas
perfumando as varandas
por onde trôpega anda
vacilante, a minha POESIA!
a minha vontade
de desfazer saudades
no meio da praça
em plena cidade
cheia de nostalgias;
aquela casinha mansa
e branca
escondida entre jardins
e coqueiros esvoaçantes
guarda um mundo alucinante
de poesias... e delírios
sobre as colchas alvas
levantando-se
cobrindo os corpos delas
que eu pelas vidraças
das janelas
diviso, num sorriso franco
de castidade!
os olhos delas?
claros... verdes
iguais aos meus!
a pele de uma: morena
a outra: rosa
e cadê meu Deus
as palavras mais belas
para que eu lance
mais prelúdios de amor
à essas duas virgens singelas?
dormem...
vejo-lhes os perfís
dos seus corpos deitados
e dos seios entumessidos
subindo... descendo...
no movimento morno - e calmo
da respiração...
a luz do quarto
continua acesa,
uma delas
tem medo do escuro
igual a todas as virgens
na flor da idade
e eu...
e eu nesta ansiedade louca
penso seios... penso corpos...
penso sexos...
e num reflexo
baixo a cabeça a sorrir
para raciocinar melhor.
é o mesmo vento
soprando frio no jardim
uma cálida e terra
canção de ninar
enquanto tempo
tempera as flores
e sinto cheiro de rosas
perfumando o ar
penetrando no quarto
através das réstias
das janelas
envolvendo-lhes os corpos
castos
em sonhos,
em momentos puros
e infantís!
cá fora...
a monotonia,
a cantiga doce do vento
a embalar-lhes
o sono de crianças
quando,
a lua apaga
e o quarto escurece:
VÂNIA E VERA... DORMEM!
TADEU BAHIA
Amélia Rodrigues - BAHIA - BRASIL
Numa noite de 1969
Homenagem às adolescentes VÂNIA E VERA BACELAR

sexta-feira, 13 de junho de 2008

FERNANDO PESSOA, SOBRE O TEJO

Fernando Pessoa...
Em meio à névoa que abençoa o Tejo
Riscando com pálidos lilas
es os telhados de Lisboa
Numa cálida luz de saudades/emoldurando as tardes
A água cristalina da fonte... a lágrima cristalina na fronte
Nada sobre as águas do Tejo, só a marola morna dos seus barcos
Deslizando na arribação vespertina e sem rumo dos nossos passos
Ondulando incertos neste rio de sonhos e de mágoas

Pessoa... os seus versos reboam tal o tambor surdo
E inolvidável do suicídio que o meu Espírito atordoa e enobrece
Sumindo nas minhas entranhas, tão estranhas, como numa prece
Sujeitas à cicuta, aos beijos das putas e à sua poesia!
"Onde andarás nesta tarde vazia, tão clara e sem fim?"
Ah! Quão bonito o cantar do Caetano Veloso,

neste anoitecer pessoano e gostoso sobre o Tejo!

TADEU BAHIA
Aniversário dos 120 Anos do Fernando Pessoa
SALVADOR - BAHIA - BRAZIL
13 de Junho de 2008

segunda-feira, 9 de junho de 2008

CHARLIE CHAPLIN E EU

Observo o quadro do Charlie Chaplin
e os seus olhos claros e tristes, iguais aos meus,
a minha primeira esposa falava
que eu era a "cópia fiel" do Charlie Chaplin
talvez...
sempre foi grande a nossa tristeza!
Tadeu Bahia
Salvador/BAHIA/BRAZIL
Dezembro de 1994